12 fevereiro 2009

Que Dia!

Tem dias que a gente pensa que não devia nem ter saído da cama. Hoje foi um desses.

Molinari saiu de Buenos Aires ontem, pois o nosso plano era ir direto para Mercedes, na província de Corrientes, e ele achou que a distância seria muito grande para ele. Pensou um pouco e achou que seria melhor sair um dia antes, dormir em Colón, na província de Entre Ríos, para só no dia seguinte seguir para Mercedes, onde nos encontraria.

Eduardo e eu arrumamos as nossas coisas que estavam no hostel e fomos carregando as nossas malas por dois quarteirões até um estacionamento onde tínhamos deixado as motos.



Chegando lá observei que o pneu traseiro da minha moto estava meio baixo. Normal, essas coisas podem acontecer. Ainda mais depois de três dias sem calibrar após ter rodado tanto. Tudo que tínhamos que fazer era parar no posto mais próximo e enchê-lo de ar.

Bagagens nas motos, saímos à procura de um posto para o ar do pneu e para abastecer os tanques. O manobrista do estacionamento onde estávamos nos indicou um posto Shell que ficava a poucos metros do famoso obelisco da Av. 9 de Julio.



No caminho para o tal posto é que pude sentir como o pneu estava baixo. Tive que andar bem devagar e mal dava para manter o equilíbrio nas curvas. Os outros motoristas que passavam por mim apontavam para o pneu me avisando como se eu não tivesse me dado conta do problema.

No final da avenida encontramos o posto, mas estava em obras. O que fazer, então? Ir para outro posto poderia ser muito desgastante para o pneu e a roda. Por sorte o frentista nos avisou que somente o ar estava funcionando. Pelo menos daria pra encher o pneu e procurar outro lugar para abastecer.

Fomos seguindo o caminho que levava para a Ruta 9, rodovia que nos levaria para fora de Buenos Aires rumo a Zárate, onde mudaríamos de rodovia para chegar até Mercedes. Paramos no primeiro posto para pôr gasolina e aproveitei para recalibrar o pneu e certificar-me de que não estava perdendo ar. Pura ilusão, o pneu continuava baixando. Verifiquei a válvula e estava tudo bem, mas foi aí que Eduardo viu que tinha um parafuso empalado no pneu. O jeito era procurar uma borracharia pra tentar reparar o problema. Como sou prevenido, tinha levado comigo na bagagem uma câmara de ar para esse tipo de emergência.

Saímos da rodovia e paramos na primeira borracharia que encontramos. Falamos com o cara que trabalhava lá e ele disse que sim, colocaria a câmara de ar no pneu. A única condição era a de que eu tirasse o pneu desmontando a roda porque eles não faziam esse tipo de serviço em motos. Que droga! O jeito era procurar outro borracheiro que fizesse o serviço. Mas ele nos disse que por lá nenhum borracheiro iria retirar a roda, esse serviço tinha que ser feito por mim porque eles não dariam garantia sobre o alinhamento e a posição da corrente. O jeito era procurar algum lugar especializado em motos.

Quando íamos sair da borracharia, um cara numa Honda Falcon estacionou bem em frente. Perguntei para ele onde poderíamos encontrar uma oficina para motos e ele disse que só encontraríamos se voltássemos para Buenos Aires. Que legal, tínhamos que fazer o caminho de volta. Pelo menos ele foi legal e nos indicou uma autorizada da Honda chamada Avant Motos.

Voltamos para a capital argentina e, para variar, acabamos nos perdendo de novo. Tive que parar em outro posto para colocar mais ar no pneu, que estava se esvaziando cada vez mais rápido. Como sempre, um curioso se aproximou para fazer perguntas sobre as motos, que não são vendidas na Argentina. Aproveitamos para perguntar onde ficava a tal Avant Motos.

A primeira coisa que fazíamos nas cidades nas quais parávamos era pegar um mapa para saber nos localizar. Tiramos um mapa de Buenos Aires do bolso e pedimos uma orientação ao sujeito que tinha se aproximado de nós. Estava fácil, era só andar mais algumas quadras pela Av. Libertador até a Av. Pueyrredón e seguir por ela até a Córdoba. A loja ficava na esquina. Desta vez foi fácil e a encontramos sem maiores problemas. Chegando lá, expliquei o problema para um dos funcionários, que me mandou ir para a rua de trás, onde ficava a oficina.

Finalmente estávamos no lugar certo para resolver o problema do pneu. Os caras foram muito legais conosco e disseram que até poderiam colocar a câmara de ar no pneu, mas seria uma solução demorada e que o melhor e mais rápido seria vedar o furo com um “caucho sintético”, que poderia ser feito sem ter que tirar a roda, além de ser totalmente seguro e manteria a vida útil do pneu. Só que... eles não faziam!

Nos indicaram uma outra borracharia onde o serviço poderia ser feito. Pegamos o mapa novamente, mas o lugar nem aparecia nele. De qualquer jeito, o cara nos deu a indicação e fomos para lá.

Chegando lá, fomos bem atendidos e em dois minutos o pneu estava recuperado e pronto para pegar a estrada outra vez. O único problema é que já era 14h00 e não daria mais tempo de irmos até Mercedes. Fomos obrigados a fazer uma mudança de planos. Seguiríamos somente até Colón e passaríamos a noite lá.

Agora sim, pegamos a Ruta 9 e fomos em direção a Zárate, onde paramos para fazer um lanchinho. Logo depois seguimos pela Ruta 12 para chegar a Colón, mas assim que passamos pela ponte que liga Zárate à província de Entre Ríos, fomos parados pela polícia. Eles pediram os nossos documentos, como de praxe e, por sermos brasileiros, resolveram aplicar o golpe. Disseram que estávamos acima do limite de velocidade. Nós não estávamos, mas não teve argumento que os convencesse do contrário. Nos levaram para dentro do posto policial, onde dava pra ver o lado de fora sendo monitorado por câmeras de vigilância, mas nada na ponte. Aí eles vieram com uma conversa fiada de que quando um argentino é multado, a notificação vai para a casa dele, mas não existe convênio da Argentina com o Brasil e, por isso, não tinha como mandar a notificação para os nossos endereços e teríamos que pagar em território argentino. Até que fazia sentido, mas o problema é que nós estávamos seguindo todas as indicações de velocidade. A multa, segundo ele, era de 2 mil pesos, mas se déssemos uma contribuição de apenas 10% para eles, poderíamos seguir viagem.

Pronto, agora ferrou. Como é que vamos dar 200 pesos pra esses caras? Ainda mais sabendo que éramos inocentes! Falei pra ele que nós não tínhamos um centavo sequer. Estávamos usando cartão de crédito para abastecer até chegar ao Brasil -- detalhe: os postos de combustível da Argentina não aceitam cartão de crédito, o que é um absurdo.

O policial até aceitou que não tínhamos dinheiro conosco, mas só ia liberar as motos mediante pagamento. Então exigiu que voltássemos para Zárate para sacar dinheiro para ele em um caixa eletrônico. Era muita cara de pau do sujeito. Eu disse que não teria como sacar porque eu já havia tentado em Buenos Aires e não tinha conseguido. Ele perguntou por que e eu tive que pensar rápido. Disse que o plano que eu tinha era o mais simples e não me permitia sacar dinheiro no exterior. Aí ele pegou o envelope com os meus documentos e tirou de lá a minha identidade e carteira de motorista. Era a garantia de que eu iria até Zárate e voltaria com dinheiro para ele. Eu perguntei o que aconteceria se me pedissem aqueles documentos no banco e ele achou que eu tinha razão. Olhou de novo no envelope e resolveu ficar com o manual da moto. Me perguntou se ali estava a garantia do veículo e eu confirmei.

De posse de todos os meus documentos, fora o manual, voltamos pela ponte em direção a Zárate. Do outro lado, paramos para pensar no que faríamos. A minha idéia era voltar para Buenos Aires e fugir para o Uruguai. No Brasil eu daria um jeito e compraria outro manual se fosse necessário. Eu preferia pagar 90 dólares para atravessar de barca para o outro país do que deixar um centavo na mão daquele guardinha. Mas Eduardo não gostou muito da idéia. O que fazer se acontecesse a mesma coisa no Uruguai? Além disso, ele estava preocupado com Molinari e Adenize, que não tinham como nos dar notícia, pois os nossos celulares não funcionavam fora do Brasil. O combinado era de que nos reencontraríamos em Foz do Iguaçu. Fora que no país dos outros somos obrigados a seguir as regras das autoridades locais, mesmo que sejam regras ilegais. Querendo ou não, o policial é uma autoridade.

O que fazer então? Tínhamos que dar um jeito de passar pela barreira. Mas como é que voltaríamos lá com dinheiro se saímos dizendo que não tínhamos nada? Pensamos, pensamos e chegamos a uma solução. Daquele lado da ponte tinha um restaurante. Tudo que tínhamos que fazer era dizer que compramos qualquer coisa lá, pagamos com cartão e conversamos com o dono para cobrar a mais e nos dar o troco em dinheiro. Boa! Só pra confirmar, entramos no restaurante e perguntamos se aceitavam cartão de crédito, mas o cara respondeu que não, “solo lo efectivo”, ele disse.

Tá legal, se contarmos essa história certamente não vai colar, pois o policial deve conhecer o restaurante. Melhor inventarmos outra história. E se dissermos que encontramos um grupo de brasileiros no restaurante e vendemos alguma coisa para eles? Essa pode dar certo. Só mais uma coisa, quando entramos no Uruguai fomos avisados sobre a corrupção da polícia argentina e nos disseram que eles até revistam as bagagens em busca de dinheiro. E se nos revistassem? Iam querer levar toda a grana que tínhamos. Solução prática: escondemos tudo debaixo das palmilhas dos nossos sapatos deixando na carteira somente 60 pesos, cerca de 40 reais, que nos vimos obrigados a entregar a eles.

De volta ao posto policial, disse ao oficial que tinha nos barrado que não voltei a Zárate porque sabia que aconteceria o mesmo que em Buenos Aires -- não me deixariam sacar. Aí paramos no restaurante do outro lado da ponte para ver se conseguíamos trocar por lá e, como não aceitavam cartão, ficamos sem opções. Por sorte, encontramos um grupo de brasileiros por lá e contamos o que nos tinha acontecido. Eles entenderam o nosso problema e concordaram em comprar uma camisa oficial do Boca Juniors que tínhamos comprado em Buenos Aires, mas ele só nos deu 60 pesos. Ele olhou pra mim com a cara mais cínica do mundo e disse: “¿Una camiseta de Boca? ¿Por qué no me dijo? Si supiera que vos la tenía, yo me habría quedado con ella. Voy a acceptar los 60 pesos, pero es de corazón.” Que FDP!

Depois de mais duas horas parados por causa da Policia Caminera, pudemos finalmente seguir viagem, mas de olho em todos os policiais que víamos pela estrada. Quando víamos um, reduzíamos a velocidade para pouco mais da metade da máxima permitida, assim não teria como dizer que estávamos correndo. Só faltava nos parar alegando que estávamos andando abaixo da mínima.

Alguns quilômetros depois, paramos para abastecer e encontramos um brasileiro que estava indo no sentido oposto. Ele nos mandou tomar cuidado porque tinham parado ele perto dali sob a alegação de que ele tinha passado sobre a faixa contínua. Os policiais argentinos inventam qualquer coisa para tentar tirar dinheiro dos viajantes. Felizmente desta vez não nos pararam.

Finalmente, depois de tanto estresse, chegamos a Colón, onde paramos em um restaurante às margens do Rio Uruguai, a praia deles. Depois de um dia desses tudo o que precisávamos era de um lugar tranquilo para passar a noite. Já era quase 22h00 e o centro de informações turísticas nos indicou algumas pousadas para ficar. Fizemos umas pesquisas e resolvemos ficar em uma mais afastada do centro. O dono era um senhor que aparentava ter idade próxima dos 70 anos. Ele se interessou pelas motos e começou a nos fazer perguntas. Pedimos uma cerveja para relaxar antes de dormir, afinal, nós merecíamos depois de um dia como esse. E não é que o cara voltou com três copos? Fingimos que não vimos e ignoramos o terceiro.

Espero que amanhã o dia seja mais tranquilo do que hoje.

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Um comentário:

Anônimo disse...

Que aventura heim!!!!Como sempre tinha que ter os contra-tempos.
Amei tudo,foi muito interessante e maravilhoso, eu também viajei com vcs em cada pedacinho da aventura!!!!!
Bjus